sábado, fevereiro 23

Reflexão IV

(Sobre uma ligação que recebi mais cedo)

Talvez seja loucura pensar que o amor total seja totalmente romântico. Talvez seja assim, descabelado, atirado, sem vegonha na cara, sem o menor pudor. Talvez não, talvez esse seja daqueles sentimentos momentâneos de prazer seguido de dor, de decepção, do queixo caído, da facada nas costas. Talvez o amor total seja mesmo romântico, seja cavalheiro, um verdadeiro gentleman, seja beijoqueiro, cheio de carinhos, toques e mais toques, ou da entrega, esta, não sem antes um casamento.
Casamento? Não! O amor total não precisa vir acompanhado de alianças e falsas promessas. Talvez se aproxime um pouco dessa loucura chamada vida à dois. Que sejam dois então, dois pássaros, à voar livremente atrás de seus bandos, à ventura de um fim de noite qualquer, que os leve diretamente para algum ninho, cama, seja lá o que for. Mas isso não seria a consumação do amor total, seria apenas uma transa casual. E isso não é e nem se aproxima de uma relação. Benditos sejam aqueles que amam separados por enormes distâncias! Ou não? É, difícil responder. Vai saber, o que se passa no coração daquela que ama de Xangai a ele no Japão.
Pior, é amar sem ser amado, amar, idolatrar, fazer daquela - que simplesmente não sabe que você existe, ou que, se sabe, não percebe teus sintomas - e colocá-la num patamar acima de qualquer outro existente. Tem aqueles que colocam o receptor de tanto amor, num degrau tão alto, que depois não conseguem mais alcançar, e vão desistindo aos poucos, sem nem dar motivos ou maiores satisfações. Grandes, grandes covardes, aqueles que despertam o amor desta, ou daquela, contrariando aquilo que deveras sentem e por conseguinte as fazendo de tolas.
Besteira é não colher os frutos de um amor já existente, de uma paixão, de uma companhia, estar do lado e não a aproveitar, estar por perto e ignorar, talvez o que mais aconteça, quando dois corações simplesmente deixam de se encontrar.
Costumo comparar o amor total a uma boa e velha balança. Acho que é a melhor das comparações, inclusive. A partir dela, é possível descobrir o quão desmedido ou inexistente é o amor. Se a doação, se a entrega, é menor que o que se recebe em troca, o amor total pesa de um lado apenas na balança. E vice-versa. Só se consegue ser feliz e devoto fiel, de um amor assim, quiçá eterno, se conseguirdes pesar igual a balança.
Então, como definir a prática do amor total? Talvez vivendo à mercê dele. Como diria Baudelaire, o amor é um crime que não se pode cometer sem cúmplice. Por mais difícil que seja encontrar, a gente sempre encontra, difícil é manter. Mas, se o amor total realmente é despertado, no peito de quem simplesmente ama, não existem barreiras ou obstáculos, muros ou declives acentuados que os impossibilitem de viver tais sentimentos. Portanto...