sábado, fevereiro 23

Reflexão V

(Apenas quatro horas desperdiçadas, da casa pro cartório, dele pra casa)

O sono me pegou de repente, sinto minhas pálpebras lutando contra minha teimosia. O dia foi cheio, corrido, alguns ônibus e alguns passos apressados. Pra cima e pra baixo pela selva de pedras. Como suportar tamanha falta de espaço? Não sei. Preso numa fila no Cartório, tive a sensação de estar vivendo um capítulo qualquer de qualquer uma dessas minisséries, diversas faces, incrédulas, assim como a minha. Pensei estar no meio do capítulo final, pra ser mais exato. Todos olhando, com seus olhares sérios e compenetrados, como quem espera para descobrir o que de fato esperaram por um longo tempo (pra isso que servem os capítulos finais). Mas não, aguardavam, assim como eu, por uma certidão de nascimento, ou cópia autenticada de qualquer outro documento. Naquele momento, percebi estar vivendo a "vida louca". Como se fosse membro de um "reality show", como se tivesse obrigação de aguardar ali durante horas por uma decisão que infelizmente não cabia a mim, junto às demais pessoas da fila, que provavelmente me eliminariam do jogo se demorasse - o meu documento - um pouco mais a chegar. - Pronto! Tudo certo, posso voltar pra casa! Pensei. Pensei errado. Mais algumas horas no engarrafamento até chegar ao metrô. Que alegria! Tudo lindo! Um milhão de conformados, assim como eu, esperando o trem, esperando a portinha abrir, esperando o pessoal sair, pra entrar e tentar de alguma forma conseguir um lugar pra sentar ou apoiar. Nada feito, após esbarrar em três moças muito mal encaradas, fiquei pelo caminho, como que surfando dentro do trem - sem segurar em nada - na raça, como que querendo fazer graça. Mas não era nada disso, estava preso, sem me mover, só não caí (e agora agradeço por isso) por conta do monte de gente que me prendia junto à porta. - Que sorte, minha casa fica duas estações daqui! Pensei. Errado de novo! (E me estresso, porque sempre que penso estar próximo ao paraíso, ou algum oásis, percebo estar é caindo numa nova furada) - Chuva! (Como eu adoro chuva! Talvez seja o único cidadão do universo Terra que gosta de passear debaixo de um pé d'água) Não. Não sou. Mas não tive outra opção. Caminhei durante longos dois quarteirões, até adentrar minha residência, tão seca, tão sequinha, e eu, parecendo um aquário. Depois do banho, o motivo de escrever isso aqui. Um breve pensamento. - Como é possível suportar isso? Bom, não é tanto assim. - Mas como é possível suportar isso sabendo que isso é a minha rotina? Tirando o Cartório, coitado, que nada tem a ver com isso. - Como é possível aguentar isso todo Santo Dia? Ainda bem que os dias são todos Santos, pelo menos já acordamos com a certeza de que alguém está orando por nós! Isso se não toparmos com um desses santos dentro de um ônibus lotado ou trem abarrotado. Outro dia até Jesus Cristo tinha no metrô da Sé. Um cover, bastante divertido, cantando um Raulzito das antigas. - Viva! Viva! Viva a Sociedade Alternativa! É, pois bem, penso diariamente em me isolar dos bens materiais. Penso em pegar minha tanguinha e correr pro meio do mato! Quer algo mais alternativo que isso? Bastaria vestir a tanga por aqui mesmo, pena que essa selva, é de pedra (que piada infame). Bom, enquanto não brinco de Tarzan, sigo pelas minhas peregrinações ou, verdadeiras viagens à la Nasa, como que - a faculdade, o cartório (que seja), o supermercado, ou qualquer outro lugar - fossem planetas anos luz da minha solitária casinha no meio da Grande São Paulo.