Entrou no coletivo e buscou um lugar mais próximo da porta da saída. Como todos fazem, é costume querer sair sem ter de incomodar o passageiro sentado ao lado ou, na pior das hipóteses, ter de planejar com antecedência o salto deste junto à parada. Como ia dizendo, o sujeito entrou com aquela cara de quem não quer nada, e durante o tempo em que estive em sua desconhecida companhia, percebi estar atento ao palavreado todo que se dava por ali dentro. Atento e ausente, ao mesmo tempo. Olhava pra mim como que se quisesse me engolir, ao passo em que olhava para ele como quem olha para um cachorro de porta de igreja. Pobre coitado - pensei. Seus olhos quase fechados e sua cabeça a balançar tornaram evidente uma leve proposta do sono ao seu consciente. Dormiu. E por algum tempo o esqueci. Cidade cheia, cheia de carros, e eu de saco cheio, como um desses desgovernado, capotei, dormi. Só não podia esperar que fosse acordar e dar de cara com ele sentado do meu lado. Não disse uma palavra sequer. Apenas o observei e o fiz novamente. Dormia ele outra vez, agora junto a mim. Fiquei pensando, se não seria esse sujeito, algum tipo de sujeito desses que comete a besteira de fazer votos, voto de castidade, de silêncio. Porque esse, não havia sequer movido os lábios. Continuei a prestar atenção no caminho quando senti suas mãos me cutucando, como se eu é que estivesse a dormir. E fora surpreendido então, por um golpe contra minhas tolas idéias. O menino pode me ajudar? É que sou lá de Cuiabá, não sei nem pra onde estou indo. Sabe se esse ônibus passa na Cardoso de Almeida? Estou aqui pra ver minha sobrinha, que nasceu antes de ontem, mas não sei como chegar. Eis então que o taciturno cidadão resolveu falar, e eu, naquele momento, por estar realmente preocupado com o itinerário, respondi como pude. Sim, sim! Fica logo ali, o senhor desce naquele ponto, e atravessa a rua, já vai avistar a placa e a numeração. Subitamente, desceu e acenou chegando no ponto. E se foi, para algum lugar que só pertence a ele e sua timidez, numa rua qualquer dessas, sujeito cheio de mistérios, Rua Cardoso de Almeida, núm. 6.