terça-feira, fevereiro 26

Sandoval

(Sobre Pessoas)

Em seu peito, a saudade de seus amigos, a saudade de sua família, e a incerteza dos novos dias. Seguiu contente, ansioso, fez boa viagem e desembarcou na terra dos arranha-céus, do horizonte de pedra. Adentrou o saguão da rodoviária e imaginou estar num formigueiro. Eram milhares de pessoas, de idas e vindas, dezenas de olhos deslumbrados, assim como os seus. Olhou para todos os lados e pouco entendeu. Também, pudera ele, mal chegara na cidade e já havia necessidade de desvendar certos enigmas. Enigmas, para ele. Como eram altos aqueles prédios, e quanta gente circulava pelas ruas. Filas de automóveis, compridas, intermináveis. Cidade feia, barulhenta. Aromas diversificados, sabores nunca antes provados, tudo parecia diferente. Seu nome? Sandoval. Irmão de Marival, primo de Roberval, sobrinho de Toninho, filho de Zézinho Budigo e Maria Aparecida. Sujeito de pouca estatura, sentia-se pequeno em relação aos pequenos da nova terra. Era uma miniatura. Um grão de areia no deserto dos contrastes infinitos. Em seu caminho, até a casa de um amigo da família, chegado seis meses antes do interior de Alagoas, deparou-se com o requinte dos bairros nobres e com a ralé dos menos agraciados. Coitados - pensou - meu bom Pai esquecera de olhar por eles aqui também. Passou fome, sede, passou frio. Trabalhou muito mais do que recebeu, recebeu muito menos do que deveria ter recebido, e por diversas vezes passou a mão em seu velho terço antes de se recolher. Rezou por demais, e pediu auxílio. Sua supervisão de cima o abandonara desde que pisou na cidade. Pensou em desistir, em voltar à sua seca, aos seus fins de tarde à margem, e só desistiu porque não tinha nem o dinheiro pra passagem. Desistiu de desistir. Lembrou de que os homens, em sua terra, não baixam a cabeça, jamais. Homens dignos, fortes, homens da terra. A terra aqui era outra. E nessa terra, depois de muito batalhar, prosperou, desencantou, viveu seus maiores sonhos, e vive, agora, orgulhoso, por nunca ter abandonado seu destino, o sorrir de todos os dias.

Alegre, terminou de nos contar sobre sua vida, sua história, e voltou para o balcão. Preparou mais algumas porções e nos trouxe outra cerveja. Lembro-me bem de suas palavras, pouco medidas, de seu sotaque puxado, porém, lembro-me com gosto, daquele sorriso estampado, sorriso aquele, impossível de se tirar do rosto. Ê Sandoval...