Ao sentar numa cadeira qualquer, de um boteco qualquer, logo percebi sua presença, sua quietude, seus olhos fixos, observando algum tipo qualquer passar pela rua, sem nenhum receio de parar e refletir sobre isso durante um longo instante. Perdi a conta das vezes em que o olhava e percebia em seu semblante os mesmos traços, o mesmo olhar, de todas as outras vezes em que o fizera. A agonia daquele garoto, se é que se pode chamar aquilo de agonia, transbordava por seus olhos, parados, assim como o resto do corpo, sentado, à espera de algo que nem ele mesmo sabia se aconteceria ou não. As mãos variavam, de seu cabelo negro e liso, para seu queixo, sem nenhum vestígio de barba, nem que esta tivesse sido feita no dia anterior. Um garoto, misterioso, que agora, estava sentado numa cadeira qualquer de um boteco qualquer, assim como eu. Aos poucos, fui me tornando íntimo de seus gestos, de sua agonia e de seus devaneios, vários, levando em conta o tempo que ele levava confabulando com seu próprio interior. Às vezes, seus olhos me encaravam, mas não passava disso, e a agonia, não findava.
O que me fez observá-lo assim por tanto tempo? A boa e velha curiosidade, que aqueles olhos frágeis fustigavam em meu interior. Pensava comigo mesmo, o quê fazia parado ali? O quê tanto causava tal agonia? Ou nos sonhos que estava tendo. Não obtive resposta para minhas questões, infames, tão particulares que nem se o perguntasse obteria retorno. Por ali permaneci por mais algum tempo. O sol que brilhava em seu rosto se escondeu, dando lugar ao entardecer. Passa o tempo, do relógio, da vida, minutos e horas, e milhares de segundos e milhões de milésimos, passam os carros pela rua, as bicicletas e os pedestres, passam as bandejas, passa a sobriedade, passa tudo, menos as minhas dúvidas em relação àquele garoto. Parado, no mesmo lugar, do mesmo jeito que quando o vi pela primeira vez, ao sentar numa cadeira qualquer, de um boteco qualquer, numa rua qualquer, num bairro qualquer de uma cidade infernal. Será que era isso o que o angustiava tanto? Ora pois, quem não se sentiria assim num fim de tarde em São Paulo? Bom, vai saber. As respostas não vieram. Vieram muitas e muitas outras garrafas, e a folia etílica daquele fim de tarde deu lugar à loucura, à tontura, ao estado de calamidade e posteriormente, ao táxi.
Costumam dizer que os grandes poetas e pensadores costumam passar horas em estado de coma, induzido por eles próprios, mas, isso, eu já não sei. Será que aquele garoto estaria por desenvolver alguma grande teoria, alguma prosa ou alguma fantástica poesia? Não sei também. Admito ter ficado perplexo com aquela situação. Ou será que estava apenas buscando um significado pra sua própria existência? Melhor parar de fantasiar. Seus olhos permanecem em minha mente, seu olhar frágil, triste, coberto pela luz das três horas. Agora, às três e pouca da manhã, recuperado do trauma alcoólico que me pegara de surpresa, penso, numa outra possibilidade. Será que aquele, aquele garoto, não estaria ali a pensar o que tanto alguém como eu buscava entender ao olhar para seus frágeis gestos de sociabilidade? Será que aquele, aquele garoto, não estaria a pensar, que triste dia teve este outro, pra se sentar, assim como eu, numa cadeira qualquer, de um boteco qualquer, de uma rua qualquer, num bairro qualquer desta cidade infernal? Talvez. Poderia simplesmente estar pensando no mal que o dia faz aos poetas noturnos, ou na velocidade das garrafas e goles. Poderia estar apenas considerando tais fatos e interiormente tirando suas próprias conclusões. Disso tudo eu tiro a minha. Dois, talvez um, um, reflexo do outro, apenas, no meio de vários, de várias, perto e distante de tudo, ouvindo calado o conversar da massa, perdendo-se em incógnitas, ilusões, devaneios, sentados, numa cadeira qualquer, buscando um sentido real para tudo. Ahhh, aquele, aquele garoto, que me fizera pensar em abslutamente tudo, no que sou, no que fui, no que pretendo ser. Opa, será que não eram essas as suas misteriosas dúvidas também? Vai saber...